Esta é inacreditavelmente a primeira edição de "Os Catadores de Algodão"(do original alemão Die Baumwollpflücker) no Brasil. A edição original apareceu em fascículos, ao longo de junho e julho de 1925, no diário Vorwärts, de Berlim. No ano seguinte, o folhetim foi publicado em livro com o título modificado para Der Wobbly. Traven, entretanto, ainda não parecia satisfeito com o resultado dessa segunda versão, e continuou trabalhando nela até 1929, quando publica a sua versão final do livro, retomando o título original. Quem já leu O Navio da Morte, do mesmo B. Traven, já lançado pelo Selo Literário Quimera, vai perceber que o narrador dos “Catadores…” é o mesmo Gerard Gales daquele livro, o qual, após o seu naufrágio, aparece misteriosamente no México pós-revolucionário. O assunto principal do livro são as contradições da vida dos trabalhadores em geral, não apenas as relativas às péssimas condições de vida dos que colhiam algodão, pois Gales continua o mesmo andarilho da primeira parte de “O Navio…” e não se fixa num só tipo de ocupação ou de lugar. As andanças de Gales pelo interior do México testemunham um novo mundo pleno de possibilidades e, no entanto, já desgraçadamente penetrado da velha opressão racial, econômica e cultural. No âmbito da inescrupulosa exploração patronal vão sendo forjadas a resiliência e a descoberta dos primeiros instrumentos de defesa do trabalhador, como é o caso das greves sindicais e dos vários expedientes de sobrevivência de que vão lançando mão. Tal como O Navio da Morte, os “Catadores…” é composto de partes bem distintas. A primeira vai desde o que Gales chama de formação da “classe proletária”, com seis companheiros buscando um emprego de catador de algodão, até a oportunidade de trabalhar como perfurador de poços de petróleo. Ainda nesta primeira parte, há a interpolação de duas narrativas misteriosas: a do caso da multiplicação dos ovos, basicamente cômica, e a do episódio do assassinato de Gonzalo, que ganha um tratamento fantástico, quase de terror. A segunda parte do livro conta o que se passou em dois novos empregos de Gales, o de confeiteiro, e depois o de vaqueiro a conduzir o gado por regiões geograficamente inóspitas e socialmente marcadas pelo banditismo. Também aqui, a ação da novela é entremeada por dois episódios importantes, desta vez ligados à suspensão do trabalho, a saber, o tempo de lazer dispendido no cassino-cabaré e a espécie de epopeia herói-cômica da prostituta Jeannette. Em termos estruturais, a novela apresenta uma novidade extraordinária: o grupo de pessoas diversas que ali se encontra de maneira fortuita funciona como uma amostra da classe proletária em formação, a qual, dali em diante, inicia o seu processo de “esclarecimento e organização”. É como se o livro fosse o desenvolvimento de um romance de tese, ou de um programa didático-político, na qual a classe trabalhadora iniciava alegoricamente uma jornada em direção à sua emancipação. Mas nada acaba por ser tão direto assim: a ironia, a ambiguidade, o impacto emocional dos eventos particulares vão moldando a história de Gales e de seus companheiros num tempo que já não é o do programa político apenas, mas o das experiências contraditórias, emocionalmente densas e com consequências inesperadas.
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